terça-feira, 11 de novembro de 2008

Os meninos da Rua da Praia e os capitães de areia

Eu estava voltando do trabalho hoje à noite e, como fui abastecer o carro, acabei indo por um caminho alternativo, que passava pela Praça da Sé. Eu tenho mania de não fechar o vidro do carro. Sei que em uma cidade como São Paulo é uma prática inconcebível, mas como eu nunca havia sido assaltada, lá estava eu às 19h com o vidro aberto em uma sinaleira (semáforo) no centro da maior cidade do Brasil. Sei que devemos aprender com os erros dos outros, mas comigo isso nem sempre funciona na prática.

Olhei para o lado e vi um menino de mais ou menos uns oito anos. Ele falou algo que eu não entendi, mas pude notar que ele estava tentando me assaltar, pois ele estava extremamente alterado e falando “grosso”. Só entendi a última frase: “Se não eu pego o seu som”. Como eu percebi que ele era desajeitado e não estava armado, eu fiz algo que sempre alertei as pessoas a não fazerem. Olhei para ele e disse: “Não!”. Ao mesmo tempo em que levantava o vidro do carro. Ele virou as costas enfurecido e acendeu um cigarro. Pode até ser um pouco sarcástico, mas foi uma cena engraçada.

Não foi a primeira vez que tive uma experiência curiosa no trânsito com um menino de rua. No início deste ano eu estava na Avenida Salim Farah Maluf, quando parei em um sinal vermelho. Um menino com aproximadamente a mesma idade do garoto de hoje, passou pelo meu carro e fez um coração com a poeira que estava no vidro. Eu achei aquilo o máximo, confesso que tive vontade de adotá-lo e levá-lo para a casa. Só que eu não tinha nenhum trocado e, quando ele me pediu dinheiro e percebeu que eu não tinha, levantou os braços como quem diz “que saco” e me deixou falando sozinha. Apesar da grosseria no final, eu achei a estratégia dele muito criativa. Aliás, essas crianças fazem malabarismos, limpam vidro, desenham corações no vidro, pois já descobriram que as pessoas não gostam de dar esmolas. É como se estivessem trabalhando e, por isso, devem receber algo em troca.

É muito triste a realidade das crianças pobres deste país. Eu nasci em uma família classe média, estudei a vida toda em escola particular, mas tive consciência desde cedo desse flagelo da sociedade. A escola que eu fiz o ensino fundamental chama-se Sévigné – uma tradicional escola de freiras que fica no centro de Porto Alegre. É um colégio diferenciado, que adota uma filosofia construtivista e trabalha com projetos.

Na 3º série tivemos que ler o livro “Os Menino da Rua da Praia”, do autor Sérgio Caparelli. Fizemos um projeto sobre o tema e, inclusive, entrevistamos os adultos na rua para saber o que eles achavam sobre o assunto. Não lembro da obra com tantos detalhes, mas trata-se de uma narrativa infanto-juvenil, que aborda a história de três meninos pobres que moram em Porto Alegre e trabalham como jornaleiros. Pesquisando na internet, posso dizer com mais propriedade que é uma história sobre liberdade, justiça, amizade e respeito à ecologia. Para quem não sabe, a Rua da Praia, cujo nome oficial é Rua dos Andradas, é uma das mais tradicionais e a mais antiga rua da cidade.

Já na 8ª série tive que ler “Capitães de Areia”, de Jorge Amado. Também é uma história sobre meninos de rua, mas é um livro adulto e, por isso, aborda de forma mais forte e a realista os problemas que eles enfrentam. A história se passa em Salvador nos anos 30 e, devido aos índices de problemas sociais, faz com que a narrativa seja ainda mais próxima da realidade. Sei que pode até parecer clichê, mas não consigo enxergar outra solução para os milhares de meninos da Rua da Praia e capitães de areia do nosso país, que não seja investimento em educação e políticas sociais.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A vitória sobre o racismo

Barak Obama virou febre no mundo inteiro. Eu sempre desconfiei de algumas escolhas feitas pela maioria, mas no caso do novo presidente dos Estados Unidos, foi um grito de “chega” ao governo totalitário de Bush. Não se fala em outra coisa, Obama já é um ídolo mundial.

Ontem à noite no Jornal da Band, Bóris Casoy alertou – em uma de suas observações – sobre o excesso de esperança que estão depositando em Obama. Por mais que sua vitória tenha sido um avanço, Bóris lembrou dos grandes desafios que ele tem pela frente, além de criticar a atitude daqueles que o consideram um messias.

Se fosse em outras circunstâncias eu até concordaria com o Bóris, mas lendo um pouco sobre o racismo ao longo da história, não tem como não comemorar entusiasticamente a eleição de Obama. A crença da existência de raças superiores e inferiores foi utilizada muitas vezes para justificar a escravidão, o domínio de determinados povos por outros, e os genocídios que ocorreram durante toda a história da humanidade. Sem contar nas leis de Jim Crow, nos Estados Unidos, e do apartheid na África do Sul.

As leis de Jim Crow foram leis estaduais e locais decretadas nos estados sulistas e limítrofes nos Estados Unidos, em vigor entre 1876 e 1965, e que afetaram afro-americanos, asiáticos e outras raças. As leis mais importantes exigiam que as escolas públicas e a maioria dos locais públicos (incluindo trens e ônibus) tivessem instalações separadas para brancos e negros. Estas Leis de Jim Crow eram distintas dos Black Codes (1800-1866), que restringiam as liberdades e direitos civis dos afro-americanos.
A "época de Jim Crow" se refere ao tempo em que a prática ocorria. Já o Apartheid foi um regime adotado legalmente em 1948 na África do Sul, em que os brancos detinham o poder e os povos restantes eram obrigados a viver separadamente, de acordo com as regras que os impediam de ser verdadeiros cidadãos. Nelson Mandela foi uma das figuras mais importantes da oposição ao apartheid.
Se a vitória de Obama vai ser boa para os Estados Unidos eu não sei. Mas é inegável que é uma vitória sobre o racismo – que apesar dos avanços – ainda é muito presente em diversas sociedades. Desde formas explícitas, até formas mais disfarçadas como no Brasil.