domingo, 11 de janeiro de 2009

Freguesia do Ó

Mais uma crônica do meu pai.


Era noite de véspera de Natal, 24 de dezembro. Fernando flutuava de bar em bar na Vila Madalena. Rua Harmonia, Aspicuelta e outras tantas entre as inúmeras com nomes estranhos que existem no bairro boêmio de São Paulo. Era seu novo lar. Havia se aposentado em Porto Alegre após mais de três dezenas de anos de trabalho no hospital público de urgência como cirurgião bucomaxilofacial, na universidade em que ministrava aulas e na sua clínica privada. Havia fugido de Porto Alegre de uma relação amorosa findada que o consumia e lhe tirara a confiança e o jogara naquele momento crucial de se olhar no espelho e contabilizar a existência. Fernando contava 56 anos, Juliana 30.Conheceram-se na universidade. Nos anos em que Juliana o considerou talvez um ícone, Fernando desfrutou deste amor de forma unilateral e egoísta. Um dia, Juliana despediu-se e nunca mais atendeu um telefonema, respondeu um e-mail ou aceitou qualquer forma de comunicação. Agora, ali estava Fernando aposentado e residindo em um pequeno apartamento alugado por temporada. Apartamento de fundos, 15° andar, Vila Madalena, São Paulo.
Por mais que tentasse fugir, Fernando procurava por Juliana em cada silhueta, em cada cabelo liso que avistava. Procurava por Juliana nos bares da Vila Madalena. Se durante um ano não conseguira avistar Juliana em Porto Alegre, mesmo morando no mesmo bairro, vivia a louca imaginação de encontrá-la sabe lá por que razão entre os milhões de seres que habitam um dos maiores conglomerados humanos do planeta.
Talvez um episódio acontecido com uma de suas filhas lhe servisse de motivação para este sonho de improvável realização. Daniela, sua filha jornalista, cobria um acontecimento em São Paulo. Era um mutirão comunitário na Freguesia do Ó, bairro de classe média baixa da cidade. Médicos, dentistas, psicólogos, nutricionistas e até cabeleireiros se esmeravam em proporcionar melhores condições de vida para a periferia. Daniela encontrou trabalhando como cabeleireira, uma moça que havia sido sua babá 20 anos antes em Porto Alegre. Produziu até um vídeo sobre este reencontro. A ex-babá e, agora uma profissional, trabalhava e residia naquele bairro e devolvia agradecida um pouco para São Paulo na forma de trabalho comunitário.
Após a sexta cerveja Fernando ouviu no inconfundível sotaque nordestino do garçom um “Feliz Natal”. Deseja mais alguma coisa?
- Sim, respondeu Fernando. Preciso encontrar Juliana na Freguesia do Ó.
- É longe respondeu o garçom. Além disso é uma região perigosa, violenta. Existe uma igreja antiga no bairro. Na praça onde fica a igreja têm uma série de bares e restaurantes tradicionais e bem conhecidos freqüentados pelo pessoal dos “Jardins”. Parece que é “chic” burguesia freqüentar periferia. Mas a esta hora não deve ter muita coisa aberta. Será que você encontrará a tal Juliana por lá? Eu conheço apenas uma moça por aquelas bandas. É cearense que nem eu e saímos de vez em quando. Chama-se Maria do Socorro.
Fernando pagou a conta. Dirigiu-se para o seu apartamento vencendo com alguma dificuldade as ladeiras de Vila Madalena. Em seu pequeno apartamento ouvia a redondeza festejando o Natal. Chorou, chorou os 26 anos que o separavam de Juliana. Mesmo embriagado não conseguiu dormir. Lembrou-se que dali a um mês venceria o contrato do apartamento alugado por temporada. Alugaria outro. Na Freguesia do Ó. Precisava encontrar Juliana.

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