terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Morrer na 17

Descobri que meu pai tem um dom literário. Abaixo uma de suas crônicas.

Morrer na 17

Dizem que Violeta Parra compôs a poesia “Volver a los 17” imortalizada na voz de Mercedes Sosa quando se encontrava apaixonada por um jovem desta idade. Ela cometeu suicídio, dizem também que em razão desta paixão. Eu também gostaria de retornar, não aos 17, mas aos 31. Talvez pudesse recuperar um amor perdido.
A física clássica não encontra uma única lei que impeça que aquilo que acontecerá no futuro possa acontecer no passado. Ou seja, nenhuma lei da física impede que um ovo que se quebrou ao cair da mesa possa se “desquebrar”. O que impede este fenômeno é apenas uma questão de probabilidades. Existem bilhões de maneiras de um ovo quebrar-se ao cair de uma mesa e apenas uma de todos seus átomos e moléculas se reunirem para novamente formarem o ovo original. É como se jogar um livro de 1000 páginas do alto de um edifício e esperar que as páginas caíssem na suas posições originais.
Imaginemos uma lufada de vento que jogou ao chão todos os nossos papéis que estavam em cima da mesa do escritório. Que possibilidade temos ao abrir novamente a janela e uma nova lufada de vento colocar os papéis na exata posição em que estavam anteriormente? Isto é explicado pela segunda lei da termodinâmica, a lei da entropia.
Todos os complexos físicos tendem a desorganização. É por isso que o tempo parece um rio que corre sempre para a mesma direção. É por isso que envelhecemos e não remoçamos. É por isso que o ovo quebra e não “desquebra”. É por isso que Violeta Parra não pôde voltar aos 17.
Freqüento o estádio Olímpico há mais de 40 anos. Lá possuo 2 cadeiras locadas, na fila H, números 17 e 19. De lá assisti o Grêmio ser muitas vezes campeão gaúcho, 2 vezes ganhar a Copa do Brasil e ser campeão brasileiro. Libertadores, como esquecer? Lá chorei e ri.
De lá saí alegre e triste. Muitas vezes. Supersticiosamente, sento na 17 e reservo a 19 para alguém. Em 1977, na retomada foi meu pai, que saudade. Ao longo dos anos muitas pessoas me acompanharam. Natasha e Isadora, minhas filhas mais velhas, hoje paulistas, corinthianas talvez. Camila e Lara, as mais moças, estas sim gremistas terríveis. João Pedro, filho de Camila, com seus 5 anos de puro gremismo. Caco Schmitt, jornalista, hoje em Brasília. Strapazon, cirurgião-geral de muitas batalhas no Pronto Socorro. Vitor Borges, amigo lá do Alegrete, atravessou comigo as agruras da “segundona”. Como esquecer o primeiro jogo da final de 2001 da Copa do Brasil, Corinthians. Empatamos aqui e fomos ganhar lá. Junto comigo estava uma moça, aquela dos 31.
Provado cientificamente a impossibilidade de se “volver aos 17” ou aos 31 só me resta tocar em frente. Não pretendo cometer o suicídio como Violeta Parra e vou esperar a morte com altivez. Se me fosse dada a prerrogativa de escolher gostaria que ela me encontrasse lá no Olímpico. Com alguém que eu amo na 19. Quero morrer na 17.

Carlos Frederico Bianchi Caccia é cirurgião-dentista em Porto Alegre
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2 comentários:

Pippe disse...

Fredao, não sei se isso foi escrito após alguma reunião no lourival, mas o que eu não sabia e agora sei e que meu mestre tem muitas qualidades escondidas sobre aquelas majestosas esbravejadas dos blocos cirúrgicos ... Quem ainda não viu isso... Pena, perdem muito.
Abraço!!
Pippe

André Pedroso disse...

Bom, li essa crônica noite dessas no Bar do Lourival, em Porto Alegre. Desde então fiquei pensando num comentário a altura.
Cada encontro me impressiono mais com o Fred, tamanho seu conhecimento em diversas áreas, já falamos sobre tudo: Política, muito sobre História, economia, filosofia, Grêmio e até sobre motos!
Que pessoa interessante que você é! Publique suas crônicas, para que outras pessoas possam ler e felizes dos que te conhecem para entender melhor. Nos conhecemos a pouco, mas como você falou, nossa amizade vai durar bem mais que o período do curso!
Grande abraço Fred e obrigado a equipe de professores da CTBMF da Sobracid pelo tanto que estão me ensinando!
André Pedroso